SALAZAR
UM DESCONHECIDO…
De tempos a tempos volta a
falar-se de Salazar, António de Oliveira Salazar, personalidade natural de
Santa Comba Dão, seminarista, professor de Coimbra, amigo pessoal do cardeal
Cerejeira, inicialmente ministro das finanças e depois chefe do governo de
Portugal, durante quase 40 anos, ao qual sucedeu Marcelo Caetano até 25 de
Abril de 1974.
O regime salazarista que ele
intitulou Estado Novo, organizado pela cartilha do fascismo italiano de Benito
Mussolini, do qual era fiel seguidor e, também, simpatizante de Adolf Hitler.
Na estrutura fascista do Estado Novo teve papel preponderante, além da Mocidade
Portuguesa (a Bufa) «formadora de jovens» e a Legião Portuguesa paramilitar, a
polícia política, o seguro de vida do estado corporativo, primeiro PVIDE a que
sucedeu a PIDE, a criminosa agência torcionária a mando de Salazar que vigiou,
perseguiu, prendeu, torturou e assassinou quem pensava diferente do ditador.
O seu carácter obstinado e
doentio foi responsável pela guerra colonial e suas consequências calamitosas, porque
defendia a indissolubilidade do império, expressa no ridículo Portugal do Minho
a Timor, recusando-se a aceitar, os insistentes pedidos, na década de 50 do
séc.XX, dos representantes dos movimentos de libertação dos povos coloniais
para a preparação atempada da autodeterminação das colónias e ulterior independência,
ignorando os dominantes ventos da História. Esta guerra causou milhares de
mortos e estropiados portugueses, angolanos, moçambicanos, guineenses e
caboverdeanos e abriu um fosso entre as comunidades colonial e lusa. Com a
eclosão libertadora do 25 de Abril, uma das medidas principais reclamadas pelos
portugueses e colonizados foi a imediata descolonização que viria tornar-se
dramática para centenas de milhar colonos.
Nas redes sociais,
particularmente no FB, têm surgido panegíricos inflamados sobre esta figura da
História de Portugal, aos quais respondem indignados, na intenção de repor a
verdade dos factos. A principal razão invocada pelos seus defensores,
desinformados ou saudosos, foi a «riqueza» em ouro por ele legada, a sua honestidade
e espírito de missão.
1.
Na verdade, Salazar comportou-se como um agiota
que acumulou, durante décadas, o metal precioso, sem benefício para a maioria
dos portugueses, bastando lembrar que deixou 40% de analfabetos, miséria e
fome, ausência de saneamento básico e água canalizada na maioria das terras do
interior, instrução primária o nível máximo para grande parte da população,
ensino universitário em apenas três universidades (Lisboa, Coimbra e Porto) e
restrito a uma minoria, pouco mais de 30kms de autoestrada e estradas
miseráveis, muitas delas impedindo a circulação a par e tantos outros «benefícios».2
2.
Um aspecto muito relevante da sua administração
deficiente e desastrosa, incidiu sobre as colónias, onde se investiu o mínimo
em infraestruturas, no comércio, na indústria, na agricultura e pescas, quase sempre
submetidas às empresas majestáticas na chamada metrópole, na educação (apenas
dois liceus em Angola!!!) e, como emblema, a mantenção, dos povos colonizados em
estado de subdesenvolvimento. Com a eclosão da guerra colonial em 1961,
concretamente em Angola, Salazar e seu séquito redescobriram-na, mas já era
tarde.
3.
Sobre a propalada honestidade de Salazar,
limito-me a perguntar: onde estava a sua honestidade quando, pessoalmente,
mandava perseguir, despedir, afastar, prender, torturar e até assassinar quem
pensava diferente de si? Onde estava ela ao criar a abjecta censura, a maioria
das vezes feita por semi-analfabetos? Onde estava ela quando mandou falsear as
poucas eleições, com a participação de «eleitores» escolhidos a dedo, cujas
urnas já estavam cheias antes de se iniciarem? Onde estava ela quando mandou
esconder todos os desmandos, de toda a ordem, incluindo a corrupção, o
nepotismo, etc., dos seus escolhidos? Uma procura exaustiva da sua falta de
honestidade até onde chegaria?
4.
Por ultimo o alegado espírito de missão de
Salazar, quando e onde? Os factos apontados falam por si.
Vem a propósito referir que um
professor e político, acérrimo salazarista, Jaime Nogueira Pinto, de trato
afável, que até participou num longo e continuado diálogo na Antena1, com o militante
comunista, Ruben de Carvalho, empenhado homem de cultura, considera ele que o
regime de Salazar não foi uma ditadura mas antes um regime autoritário, podendo
assim considerar-se um percursor de Jair Bolsonaro, inacreditável presidente da
Republica Federativa do Brasil que declara, aos quatro ventos, não ter havido a
ditadura dos generais, insultando assim o Brasil e o mundo civilizado e os
inúmeros brasileiros que sofreram as sevícias por eles perpetradas.
A talhe de foice, vem a
notícia da criação de um museu sobre o Estado Novo em Santa Comba Dão, onde
nasceu Salazar, cuja câmara municipal é presidida por um autarca do PS.
Entretanto, perante a reacção de ex-presos políticos da ditadura e de inúmeros
intelectuais, contra a criação de tal museu, apareceu uma tentativa da
autarquia de rectificação, afirmando tratar-se de um «Centro Interpretativo do
Estado Novo, um mero eufemismo…
Sobre o tema Museu do Estado
Novo, embora com outro nome, seria inevitável que se transformasse num Vale de
los Caídos à portuguesa, um santuário que permitiria o carpir, mais ou menos
violento, dos saudosos do fascismo salazarento e dos pró fascistas actuais.
Concluindo, Salazar é, de
facto, desconhecido de muitos por falta de informação, e branqueados por
outros, mas não justifica a criação do museu ou do Centro Interpretativo do
Estado Novo. Não está em causa esquecer o Estado Novo, uma página negra da
História de Portugal, antes pelo contrário, é imperativo que todos os
portugueses, actuais e vindouros, saibam o que ele foi, em todos os seus
aspectos, isto é, tem de se investir na informação histórica das crianças,
adolescentes, jovens e menos jovens, utilizando todos os meios ao dispor da
cultura, porque o salazarismo faz parte dela.
Espero ter dado uma pequena
contribuição sobre Salazar e o salazarismo, por mim vividos, em Portugal e em
Angola.
Uma ultima pergunta: Existe
algum museu dedicado a algozes, homólogos de Salazar, como Mussolini, Hitler,
Stalin, Figueiredo, Pinochet, Viola, Baptista, o Kmer genocida? Creio que não
há.