domingo, 25 de agosto de 2019


SALAZAR UM DESCONHECIDO…
De tempos a tempos volta a falar-se de Salazar, António de Oliveira Salazar, personalidade natural de Santa Comba Dão, seminarista, professor de Coimbra, amigo pessoal do cardeal Cerejeira, inicialmente ministro das finanças e depois chefe do governo de Portugal, durante quase 40 anos, ao qual sucedeu Marcelo Caetano até 25 de Abril de 1974.
O regime salazarista que ele intitulou Estado Novo, organizado pela cartilha do fascismo italiano de Benito Mussolini, do qual era fiel seguidor e, também, simpatizante de Adolf Hitler. Na estrutura fascista do Estado Novo teve papel preponderante, além da Mocidade Portuguesa (a Bufa) «formadora de jovens» e a Legião Portuguesa paramilitar, a polícia política, o seguro de vida do estado corporativo, primeiro PVIDE a que sucedeu a PIDE, a criminosa agência torcionária a mando de Salazar que vigiou, perseguiu, prendeu, torturou e assassinou quem pensava diferente do ditador.
O seu carácter obstinado e doentio foi responsável pela guerra colonial e suas consequências calamitosas, porque defendia a indissolubilidade do império, expressa no ridículo Portugal do Minho a Timor, recusando-se a aceitar, os insistentes pedidos, na década de 50 do séc.XX, dos representantes dos movimentos de libertação dos povos coloniais para a preparação atempada da autodeterminação das colónias e ulterior independência, ignorando os dominantes ventos da História. Esta guerra causou milhares de mortos e estropiados portugueses, angolanos, moçambicanos, guineenses e caboverdeanos e abriu um fosso entre as comunidades colonial e lusa. Com a eclosão libertadora do 25 de Abril, uma das medidas principais reclamadas pelos portugueses e colonizados foi a imediata descolonização que viria tornar-se dramática para centenas de milhar colonos.
Nas redes sociais, particularmente no FB, têm surgido panegíricos inflamados sobre esta figura da História de Portugal, aos quais respondem indignados, na intenção de repor a verdade dos factos. A principal razão invocada pelos seus defensores, desinformados ou saudosos, foi a «riqueza» em ouro por ele legada, a sua honestidade e espírito de missão.
1.     Na verdade, Salazar comportou-se como um agiota que acumulou, durante décadas, o metal precioso, sem benefício para a maioria dos portugueses, bastando lembrar que deixou 40% de analfabetos, miséria e fome, ausência de saneamento básico e água canalizada na maioria das terras do interior, instrução primária o nível máximo para grande parte da população, ensino universitário em apenas três universidades (Lisboa, Coimbra e Porto) e restrito a uma minoria, pouco mais de 30kms de autoestrada e estradas miseráveis, muitas delas impedindo a circulação a par e tantos outros «benefícios».2
2.     Um aspecto muito relevante da sua administração deficiente e desastrosa, incidiu sobre as colónias, onde se investiu o mínimo em infraestruturas, no comércio, na indústria, na agricultura e pescas, quase sempre submetidas às empresas majestáticas na chamada metrópole, na educação (apenas dois liceus em Angola!!!) e, como emblema, a mantenção, dos povos colonizados em estado de subdesenvolvimento. Com a eclosão da guerra colonial em 1961, concretamente em Angola, Salazar e seu séquito redescobriram-na, mas já era tarde.
3.     Sobre a propalada honestidade de Salazar, limito-me a perguntar: onde estava a sua honestidade quando, pessoalmente, mandava perseguir, despedir, afastar, prender, torturar e até assassinar quem pensava diferente de si? Onde estava ela ao criar a abjecta censura, a maioria das vezes feita por semi-analfabetos? Onde estava ela quando mandou falsear as poucas eleições, com a participação de «eleitores» escolhidos a dedo, cujas urnas já estavam cheias antes de se iniciarem? Onde estava ela quando mandou esconder todos os desmandos, de toda a ordem, incluindo a corrupção, o nepotismo, etc., dos seus escolhidos? Uma procura exaustiva da sua falta de honestidade até onde chegaria?
4.     Por ultimo o alegado espírito de missão de Salazar, quando e onde? Os factos apontados falam por si.
Vem a propósito referir que um professor e político, acérrimo salazarista, Jaime Nogueira Pinto, de trato afável, que até participou num longo e continuado diálogo na Antena1, com o militante comunista, Ruben de Carvalho, empenhado homem de cultura, considera ele que o regime de Salazar não foi uma ditadura mas antes um regime autoritário, podendo assim considerar-se um percursor de Jair Bolsonaro, inacreditável presidente da Republica Federativa do Brasil que declara, aos quatro ventos, não ter havido a ditadura dos generais, insultando assim o Brasil e o mundo civilizado e os inúmeros brasileiros que sofreram as sevícias por eles perpetradas.
A talhe de foice, vem a notícia da criação de um museu sobre o Estado Novo em Santa Comba Dão, onde nasceu Salazar, cuja câmara municipal é presidida por um autarca do PS. Entretanto, perante a reacção de ex-presos políticos da ditadura e de inúmeros intelectuais, contra a criação de tal museu, apareceu uma tentativa da autarquia de rectificação, afirmando tratar-se de um «Centro Interpretativo do Estado Novo, um mero eufemismo…
Sobre o tema Museu do Estado Novo, embora com outro nome, seria inevitável que se transformasse num Vale de los Caídos à portuguesa, um santuário que permitiria o carpir, mais ou menos violento, dos saudosos do fascismo salazarento e dos pró fascistas actuais.
Concluindo, Salazar é, de facto, desconhecido de muitos por falta de informação, e branqueados por outros, mas não justifica a criação do museu ou do Centro Interpretativo do Estado Novo. Não está em causa esquecer o Estado Novo, uma página negra da História de Portugal, antes pelo contrário, é imperativo que todos os portugueses, actuais e vindouros, saibam o que ele foi, em todos os seus aspectos, isto é, tem de se investir na informação histórica das crianças, adolescentes, jovens e menos jovens, utilizando todos os meios ao dispor da cultura, porque o salazarismo faz parte dela.
Espero ter dado uma pequena contribuição sobre Salazar e o salazarismo, por mim vividos, em Portugal e em Angola.
Uma ultima pergunta: Existe algum museu dedicado a algozes, homólogos de Salazar, como Mussolini, Hitler, Stalin, Figueiredo, Pinochet, Viola, Baptista, o Kmer genocida? Creio que não há.