QUEM INICIOU A LUTA PELA INDEPENDÊNCIA
DAS COLÓNIAS PORTUGUESAS?
Estão
passando quase 39 anos desde que se tornaram independentes as antigas colonias
portugueses, depois de quatro séculos de dominação de territórios imensos,
nomeadamente Angola e Moçambique, por um pequeno país distante de milhares de
quilómetros, distância enorme a percorrer durante longos e penosos meses, até
finais do séc.XIX.
Como
se explica então a aparente passividade dos povos colonizados? A meu ver, são
vários os seus factores explicativos, concretamente em relação a Angola, onde
nasci e vivi, tais como:
- O subpovoamento do interior e também das regiões costeiras, embora menos acentuado nestas, de um imenso território com mais de 1,5 milhões de km2 de superfície.
- A repressora máquina administrativa.
- A «superioridade» do branco, imposta aos negros em todas as acções do quotidiano.
- O total controlo económico, financeiro e fundiário do colono.
- A marginalização deliberada dos negros, em condições sub-humanas, em guetos (musseques), deles se ausentando apenas para ir servir o branco, auferindo salários miseráveis.
- As impositivas barreiras no acesso dos negros ao ensino e à cultura, impondo-se assim o analfabetismo e a iliteracia na maioria esmagadora.Um exemplo extremo das consequências da segregação racial e subdesenvolvimento dos negros era a cidade de Sá da Bandeira, hoje (e sempre) o Lubango, que possuía um dos liceus do país, o Diogo Cão, onde estudavam, nos anos 50 do século passado, mais de 700 alunos, dos quais menos de 3% eram negros e mestiços! A propósito, em Luanda no Liceu Salvador Correia, naquela década, já predominavam os mestiços e haviam alguns negros. Também em Benguela, cidade mestiça angolana por excelência, a população estudantil incluía já muitos mestiços e poucos negros.
Recordo
agora Luanda em 1962, que há época teria mais de 500.000 habitantes, rodeada
por musseques, onde não existia saneamento básico, nem abastecimento de água e
electricidade, nem arruamentos. Estava-se ainda no rescaldo dos trágicos
acontecimentos de 15 de Março de 1961 nos Dembos e era comum a acusação na
praça pública, de terrorista, para um qualquer transeunte negro que se lhes atravessasse
no caminho.
Apesar
de tudo, na década de 60 do século passado, a situação sócio-económica dos
mestiços e negros em Luanda e nas grandes cidades (Benguela, Lobito, Huambo)
era melhor do que a que se passava nos pequenos agregados populacionais, pois
naquelas já aflorava uma pequena burguesia, sobretudo mestiça mas também negra
que desempenhava funções no aparelho de estado, tolerada à distância pelo
branco.
O que
está em causa agora é assinalar quem de facto iniciou a luta pela independência
das colónias portuguesas, isto é, qual o ponto de partida da mesma.
A meu
ver, na base de tudo estiveram intelectuais que meteram ombros a uma ciclópica
tarefa de chamar os colonizados e o mundo para a realidade colonial onde
imperava a injustiça, uma feroz segregação racial, o desprezo pela dignidade
humana dos colonizados, com o domínio absoluto de uma minoria branca, dona de
tudo e de todos.
No
caso de Angola, que creio possa ser extensível às outras colónias, estão entre
muitos outros, Mário de Andrade, Viriato da Cruz, Agostinho Neto, Lúcio Lara,
Joaquim Pinto de Andrade, António Jacinto, Carlos Rocha, Gentil Viana, Júlio
Almeida, Carlos Ervedosa, Salvador Ribeiro, Tomás Medeiros, Costa Andrade,
Manuel Lima, Luandino Vieira, Henrique Abranches, Ermelinda Graça, Edmundo
Gonçalves, Edmundo Rocha, Aida e Percy Freudenthal, Ernesto Lara, David
Bernardino e muitos, muitos outros.
Além
destes nomes sonantes, que por direito próprio fazem parte relevante da
História do país, muitos mais intelectuais angolanos que hoje não passam de
meros anónimos, deram o seu contributo, fazendo trabalho de sapa no quotidiano,
nos contactos com as gentes, quer em Angola como em Portugal, antes como depois
do início da guerra anti-colonial e a seguir ao fim da devastadora guerra civil.
Foram
de facto aqueles intelectuais que iniciaram a luta de libertação, passando o
testemunho, sem dele se afastarem, àqueles que encabeçaram a luta armada no
terreno e na rectaguarda, entre os quais muitos dos constantes da lista acima a
que se juntaram angolanos de todas as proveniências.
O
analfabetismo e incultura impostos pelo governo fascista de Portugal explicam
que só posteriormente, a pouco e pouco, as massas populares foram aderindo ao
processo.
Por
fim, vem a talhe de foice referir uma afirmação de José Manuel Jara, médico
nascido em Angola, citado por Fenando Dacosta em «Os retornados mudaram
Portugal» de que dos 600.000 brancos «retornados» apenas 1000 tinham
consciência do que do que se passou em Angola. Esta minoria era a camada
progressista e intelectual, onde se incluíam os acima referidos.
Aquela
frase de Jara foi o mote para esta minha reflexão.