O
ESQUERDISMO AINDA O É?
Em tempos, Lenine
manifestou-se crítico do revolucionarismo ou esquerdismo, definindo-o como a
doença infantil do comunismo. Várias décadas se passaram desde o 25 de Abril de
1974 e o esquerdismo consolidou-se em Portugal através de uma fusão de várias
organizações políticas de extrema esquerda, PSR, UDP e outras, no Bloco de
Esquerda BE, que hoje é a terceira força representada na Assembleia da
República, fruto das eleições levadas a cabo em 2015, ultrapassando o PCP, que
foi o principal opositor ao regime fascista salazarista, que continua a ter
grande influência em todos os sectores da vida nacional, particularmente no
movimento sindical e nas autarquias, como a terceira representação partidária e
unitária.
Assim, o BE, os seus
dirigentes, conquistaram posição política relevante, a meu ver, muito graças à
conjugação dos factores seguintes:
a)
A persistência do modo desactualizado de
comunicação da direcção do PCP com os portugueses, sem ter em conta a sua formatação
quotidiana, levada a cabo pela quase totalidade dos media, incluindo os do
sector público, e a hierarquia da igreja. Ora a situação nos ultimos tempos é
muito diferente da que existiu até ao enraizamento anticomunista do 25 de Novembro,
com a colaboração contranatura de antifascistas, como foi o caso de Mário
Soares.
b)
A derrocada da União Soviética que o sistema dominante
considera, entusiamado, a derrota final do socialismo, com a concumitante
vitória definitiva do capitalismo.,,,
c)
A dinâmica política dos dirigentes do BE,
alicerçada nos pontos anteriores e no indesmentível consistente e permanente apoio
dos media, cujo inimigo principal sempre foi e continua a ser o PCP, um partido
de futuro, com passado. Esta indesmentível constatação encontra-se, em termos
práticos, no quotidiano da comunicação social, onde a presença do PCP ou de
seus simpatizantes é nula ou pouco menos, tanto nas notícias, como nos debates,
enquanto que o BE está sempre representado, rivalizando com os representantes
omnipresentes dos partidos da direita, prática a que está associada a crítica
insidiosa e a mistificação sobre tudo que com ele se relacione.
A actual
solução governativa de esquerda, resultante quer da situação calamitosa do país
e particularmente dos portugueses, causada pela terrorista governação da
direita nos 4 anos anteriores a 2015,
com o beneplácito de um presidente da república incapaz e sectário, como da
necessidade imperiosa de inversão governativa em favor da maioria e, não menos
importante, da abertura patriótica, para um consenso à esquerda, do secretário
geral do PS, do secretário geral do PCP, das direcções do BE e do PEV.
Os
bons resultados da governação do PS, com o apoio dos partidos de esquerda, sem
pôr em causa a respectiva identidade político-ideológica, demonstra à saciedade
a correcção da escolha feita, de resto hoje plenamente reconhecida pelos
dirigentes da UE e até por Schauble, ministro alemão das finanças, depois da
guerra aberta que lhe moveram.
Neste
contexto, apesar da conjugação dos vários partidos para a manutenção do
espírito do acordo, sobressai a atitude dos dirigentes do BE, sempre prontos para
as solicitações dos media, sublinhando a sua individualidade, qual arautos da
verdade absoluta, dando umas vezes no cravo e outras na ferradura, não se
coibindo de afirmar que estão sempre na vanguarda da luta.
Esta
actuação, propositadamente publicitada, cai bem junto da juventude, é levada a
cabo por gente jovem, simpática, com experiência de palco e aparentemente
competente, com relêvo para a sua coordenadora, Catarina Martins, sempre
impante girando qual catavento, deixando escapar um pequeno esgar de satisfação
consigo própria, por vezes a despropósito.
Outro comportamento
do BE, para mim, difícil de entender, são os seus afectos/desafectos por Angola
e Cuba, muitas vezes em coincidência com a direita. A má vontade dos partidos
que o integraram em relação ao MPLA. antes do 25 de Abril, devia-se ao seu alinhamento
com o maoismo, o inacreditável regime albanês de Enver Hoxa e o antisovietismo,
quando a ulterior história demonstrou o afastamento do MPLA, de Agostinho Neto,
em relação à URSS. Após a independência, a 11 de Novembro de 1975, os partidos
criadores do BE, deram suporte à criação e acção dos CAC, Comités Amilcar
Cabral, grupos políticos de extrema esquerda que originaram a OCA, Organização
Comunista de Angola, envolvida no 27 de Maio de 1977 com Nito Alves. É oportuno
referir que Nito Alves, ex-dirigente e dissidente do MPLA, recebeu o apoio político
da URSS
Concluindo,
o esquerdismo ainda o é? Embora com novas roupagens e adaptação à situação
actual, persistem neles tiques esquerdistas indicativos de que a transformação
ainda é epidérmica. De facto, nos ultimos tempos, apesar de continuar a ser um
dos partidos da maioria, os dirigentes do BE apregoam uma irresponsável
contestação sectorial ao governo, numa aliança extemporânea à direita. reivindicando
para si, em bicos de pés, o epíteto de verdadeira força de oposição.
Esperemos
que não se repita a fábula do sapo e da vaca.